MPRJ instaura inquérito para apurar abandono de patrimônio de Eufrásia Teixeira Leite, pioneira no mercado financeiro
15/05/2025
(Foto: Reprodução) Historiadores estimam que a fortuna deixada por ela equivale a quase 2 toneladas de ouro, mais de R$ 1 bilhão em valores atuais. Ela queria que o dinheiro ajudasse os mais pobres. MPRJ instaura inquérito para apurar abandono de patrimônio deixado por Eufrásia Teixeira Leite
O Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) instaurou um inquérito para apurar o abandono do patrimônio histórico deixado por Eufrásia Teixeira Leite, uma das mulheres mais poderosas do mundo no século XIX. Dois colégios e um hospital na cidade de Vassouras, no centro-sul do estado, estão desativados e em condições precárias de conservação.
Historiadores estimam que a fortuna deixada por ela equivale a quase 2 toneladas de ouro, mais de R$ 1 bilhão em valores atuais. Ela deixou todo o dinheiro para a cidade de Vassouras, para que servisse à comunidade e ajudasse, principalmente, os mais pobres.
“A Eufrásia deixou um importante e bonito legado para a cidade e para o povo vassourense. E deixou um grande patrimônio para as futuras gerações”, afirmou a historiadora Amal Abdulmalek.
Investidora
Eufrásia Teixeira Leite foi uma das mulheres mais poderosas do século XIX
Reprodução/ TV Globo
Eufrásia Teixeira Leite foi herdeira de uma das maiores fortunas do ciclo do café. Ela nasceu na cidade há 175 anos. Caçula de 3 irmãos, foi educada para assumir os negócios da família.
Ficou órfã muito jovem e se mudou para Paris. Foi uma das primeiras mulheres do mundo a investir na bolsa de valores, em um tempo em que elas não podiam nem votar.
Eufrásia investiu em estradas de ferro, mineradoras e geradoras de energia, multiplicando a fortuna que herdou. Ela nunca se casou ou teve filhos e morreu no Rio de Janeiro, em 1930.
“Eufrásia foi além de um papel que era destinado para as mulheres de sua época: independente, voluntariosa, inteligente e visionária”, disse Abdulmalek.
Herança
Eufrásia Teixeira Leite deixou em testamento que fortuna devia ser usada para o benefício da cidade de Vassouras, principalmente as pessoas mais pobres
Reprodução/ TV Globo
O RJ1 teve acesso a documentos históricos como a certidão de óbito e o testamento, que indicou onde cada centavo do dinheiro deveria ser investido.
Com a venda de apólices e das ações da bolsa, a cidade ganhou o Colégio Regina Coeli, uma escola para meninas órfãs; um instituto profissional para atender 50 meninos, que mais tarde se transformou numa unidade do Senai; e um hospital, considerado na época um dos mais modernos do país. Todos foram construídos nas terras que pertenciam a ela.
“Ela deixou dinheiro para ser aplicado nessa cidade para melhorar a educação, a saúde, para melhorar as condições sociais”, destacou o jurista e historiador José Roberto Tambasco.
Legado
Patrimônios gerados pelo dinheiro de Eufrásia Teixeira Leite passaram a ser administrados pela Irmandade de Santa Casa de Misericórdia de Vassouras
Reprodução/ TV Globo
Os patrimônios gerados pelo dinheiro de Eufrásia passaram a ser administrados pela Irmandade de Santa Casa de Misericórdia de Vassouras, mas os prédios históricos estão em estado crítico de conservação.
“Infelizmente, parece que o patrimônio de Eufrásia não está correspondendo ao seu desejo de morte. E o povo de Vassouras quer e exige que esse patrimônio seja aplicado de forma que traga realmente subsídio para uma melhoria social não só de Vassouras, mas de toda a região”, disse Tambasco.
O antigo colégio está vazio e partes estão entregues ao mato. O espaço do antigo Senai fica em um terreno imenso com sinais de abandono.
O hospital, a maior das construções, tem quatro andares e vários blocos anexos. Sem manutenção, o lugar foi tomado pelo mato.
“Eu nasci aqui nesse hospital, e vê-lo assim, dessa maneira, é uma tristeza. Ver abandonado da forma que está”, afirmou o vigilante Samuel Reis.
Inquérito
Estátua de Eufrásia Teixeira Leite em Vassouras, no Estado do Rio de Janeiro
Reprodução/ TV Globo
O MPRJ instaurou um inquérito civil para apurar e cobrar explicações sobre a gestão do patrimônio de Eufrásia. As investigações afirmam que há abandono e má gestão dos recursos. E que alguns imóveis deixaram de cumprir a função social que o testamento dele previa.
O inquérito cita o avançado estado de deterioração dos imóveis, com focos de umidade, infiltrações e criadouros de insetos. O objetivo da ação é proteger o legado histórico.
“Pretendo seguir dois caminhos. Primeiro provocar os entes públicos para que procedam o tombamento do patrimônio dela, trazendo uma proteção a esses bens jurídicos. Assim como buscar responsabilidades que possam advir em razão do abandono que está se caracterizando”, afirmou a promotora Renata Cossatis.
Coincidência ou não, o próprio testamento de Eufrásia, há quase 100 anos, já destacava a necessidade de que o uso do dinheiro seja observado.
“A fiscalização do cumprimento das obrigações será exercida pelo juiz de Direito e pelo promotor público, cujas solicitudes imploro, confiando nos seus zelos”, escreveu Eufrásia no testamento.
A promotora destaca a importância da generosidade da empresária para a cidade.
“Ela roga que o juiz e o promotor da cidade acompanhassem o que fosse feito com o patrimônio dela. É algo que faz parte da nossa história, não só da história de Vassouras, como da história do país. E a gente tem que zelar e proteger nossa identidade cultural”, disse Renata Cossatis.
Placa de praça que leva o nome de Eufrásia Teixeira Leite em Vassouras.
Reprodução/ TV Globo
O que dizem os citados
O RJ1 não conseguiu contato com a Irmandade Santa casa de Misericórdia, responsável pela gestão dos bens de Eufrásia Teixeira Leite, até a última atualização desta reportagem.
Porém, a instituição publicou duas notas de esclarecimento nas redes sociais, afirmando que é uma associação sem fins lucrativos e que passa por dificuldades financeiras, acumulando dívidas. E, por isso, tem buscado parcerias e alugou alguns imóveis.
A irmandade disse ainda que a Prefeitura de Vassouras descumpriu uma decisão da Justiça para firmar um contrato para o uso de serviços médicos no hospital.
A Prefeitura de Vassouras não respondeu sobre o abandono do patrimônio histórico da cidade.